1ª Conferência temática da cultura digital

Links sobre o evento:

Segue na íntegra a fala de Felipe Siles, representando o coletivo Áudio e Software Livre:

Boa noite,

Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui e agradecer a escuta. Me chamo Felipe Siles, sou pesquisador musical, moro em Cosmópolis, interior de São Paulo, cidade próxima de Campinas, onde fica a sede da nossa anfitriã de hoje, a Tainã, e estou aqui representando o coletivo Áudio e Software Livre. Minha audiodescrição: eu sou homem, tenho cabelos pretos cacheados, cavanhaque, pele clara e estou usando óculos, headphones e camiseta branca. O Áudio e Software Livre é uma rede de músicos, artistas, educadores, hackers, radialistas e produtores, que pensam e produzem ações educativas e de divulgação do software livre para a produção independente de áudio, que está em crescimento. A pergunta que norteia as nossas atividades é: “dá para produzir áudio utilizando apenas software livre?”. Ao mesmo tempo estamos sempre em debate em como compartilhar e democratizar esse conhecimento, já que compreendemos que a música é manifestação popular, e o nosso horizonte é o de viabilizar ferramentas para que as pessoas possam produzir com autonomia.

Recentemente escrevi um texto em nosso blog denominado O streaming e a sinuca de bico para o artista independente, no qual fiz uma breve contextualização da revolução na distribuição musical a partir do século XXI com o advento do mp3 e plataformas como o Napster. A partir daí faço algumas reflexões sobre o impacto da pirataria na indústria musical, e em como essa indústria se recupera da armadilha da pirataria moldando a nossa imaginação para um novo modelo de negócios, o streaming, que atualmente monopoliza a distribuição da música, por meio de plataformas comerciais, como o Spotify e a Apple Music. Além disso, faço no texto algumas reflexões do quanto essa forma de comercializar música impacta artistas grandes, o público e principalmente o artista independente que, ao meu ver, é o maior prejudicado com esse modelo de negócios.

Conforme escrevi no texto em questão, o artista independente tem saudades das caixas de CDs que entulhavam a sua casa, e pelo menos rendiam algum retorno financeiro sobre sua produção. Os míseros centavos monetizados na plataforma de streaming não resolvem sua vida financeira, e ele também não tem condições de fazer dessa produção uma espécie de soft power, como fazem os artistas mainstream. Neste cenário, restou ao artista independente buscar o seu sustento de outras formas, relacionadas ou não à música, e financiar sua produção com recursos próprios ou por leis de incentivo.

Sobre as leis de incentivo, cabe um parênteses. Embora os editais e leis de incentivo têm sido nas últimas décadas importantes para a manutenção de uma política pública cultural que escape à lógica mercadológica, precisamos pensar para além dele, já que ele acaba privilegiando uma fatia muito específica da população que reune arcabouço cultural e intelectual capaz de lhe dar as condições de escrita de um projeto. Precisamos pensar em estratégias e formas que fomentem a cultura de forma capilarizada e livre, e acredito que estamos caminhando nessa direção.

Ainda sobre editais e leis de incentivo, mais uma consideração, houve manifestação de uma pessoa do nosso coletivo que reclamou de já ter tido um projeto com avaliação negativa justamente por citar a própria infraestrutura ao invés das redes sociais corporativas como estratégia de difusão. Se estamos construindo uma política pública cultural precisamos nos livrar desse sequestro de imaginação que as grandes corporações da chamada “Big Tech” nos colocaram.

Aproveito que tocamos nesse assunto, não em nome do grupo, mas eu, Felipe Siles, gostaria de questionar a própria comunicação institucional do governo, que se dá em grande medida por ferramentas dessas plataformas corporativas. Pensamos que é preciso pensar e olhar de maneira crítica para esse processo, muitas universidades possuem infraestrutura ociosa ou depreciada por novos componentes, mas ainda assim úteis na construção de uma alternativa ao que está posto. O que se vê inclusive no cenário atual, pelo contrário, é a adesão em massa de universidades aos serviços da Google, entregando de bandeja para a megacorporação a nosssa produção de conhecimento científico em troca de pequenos confortos e praticidades. Continuamos metaforicamente trocando pau brasil por espelhinhos, só que agora com o novo colonizador.

Dito isso, os órgãos públicos precisam ter alternativas de comunicação que não passem necessariamente pelos muros de um login em uma plataforma fechada ou pela curadoria de um algoritmo sem transparência, que sabe-se lá se vai entregar o conteúdo aos brasileiros com o nível de prioridade necessário (provavelmente não). É preciso investir em alternativas livres, como os protocolos RSS e Activity Pub, por exemplo. Não adianta se esquivar no argumento de que as redes corporativas são populares, as lanchonetes fast food também são populares e isso não impede o governo de ter o Guia alimentar para a população brasileira.

Ainda no campo da infraestrutura, no âmbito do desenvolvimento é necessário fomentar mão de obra para trabalhar nessas plataformas comunitárias e decentralizadas. É imprescindível fornecer bolsas para desenvolvimento de software código aberto usado pelas plataformas públicas e bolsas para administração de infraestrutura comunitária.

Por fim, tivemos recentemente uma matéria de Augusto Diniz na Carta Capital entrevistando o pesquisador Leonardo De Marchi sobre a necessidade de criar uma plataforma pública de streaming de música. Nós do coletivo Áudio e Software Livre apoiamos essa proposta. Acreditamos que seria muito importante que uma plataforma de áudio onde o público fosse incentivado a contribuir financeiramente com seus artistas preferidos (numa espécie de “chapéu virtual” que estivesse disponível com facilidade no mesmo aplicativo onde se ouvem as músicas) fomentando assim a ideia de que música não é simplesmente consumo, mas também o fruto do trabalho de trabalhadores e trabalhadoras. Apoiamos também que essa plataforma seja construída toda em software livre, sugerimos também que seja federada pelo ActivityPub e recomendamos o Funkwhale como uma possibilidade técnica para a construção dessa plataforma.

Antes de finalizar, gostaria de responder à provocação do nosso colega Dudu, a quem sou um profundo admirador de seu trabalho há muitos anos, citando uma coisa que aprendi com um companheiro do meu coletivo, que usa o pseudônimo de Saci. A Casa Cultural Tainã, que está nos recebendo hoje em seu espaço digital nasceu de um coletivo em bairro periférico de Campinas, formado por empregadas domésticas, e é um polo nacional no que diz respeito a tecnologias livres e de código aberto. Se o debate em torno do software livre e código aberto se elitizou não é por culpa minha ou sua, estamos aqui, eu e você, pessoas periféricas para disputar essa memória, reclamar a nossa história e pegar de volta aquilo que é nosso por direito, porque as periferias merecem aquilo que há de melhor, e essa é a minha luta.

Mais uma vez agradeço a escuta e digo que a comunidade Áudio e Software Livre está a disposição para ajudar, e não mediremos esforços para contribuir com aquilo que estiver ao nosso alcance na construção da soberania digital do povo brasileiro. Obrigado!

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