Funkwhale: um streaming de música descentralizado e autônomo

O Funkwhale é um aplicativo de streaming de áudio descentralizado e de código aberto que oferece uma alternativa autônoma e democrática aos serviços de streaming proprietários, permitindo compartilhar música de forma livre e independente, sem depender de empresas comerciais. É possível instalá-lo no smartphone Android através do F-Droid.

Por Cráudio

Fala, galera!

Você está cansada de usar aplicativos de streaming que precisa pagar para não escutar propaganda, como Spotify e Deezer? Você quer ter mais controle sobre sua experiência musical e apoiar a comunidade de software livre e de código aberto? Existem muitos aplicativos livres e de código aberto que podem lhe dar esses mesmos recursos. Simbora conhecer alguns deles?

Funkwhale é um aplicativo de streaming de áudio decentralizado e de código aberto que permite aos usuários fazerem upload, compartilhamento e reprodução de suas coleções musicais com outros usuários. O objetivo do Funkwhale é fornecer uma alternativa descentralizada e autônoma aos serviços de streaming de áudio proprietários, como Spotify, Deezer e Google Music.

O Funkwhale funciona como um servidor de áudio que comunica com outros servidores, chamados de “pods”, em uma rede descentralizada, permitindo que os usuários compartilhem sua música com outros usuários na rede. Cada pod/servidor Funkwhale pode comunicar com outros pods/servidores para trocar música, metadados e informações de usuário. Ao contrário dos serviços de streaming proprietários, o Funkwhale não tem nenhuma restrição geográfica ou limite de banda larga, permitindo que os usuários acessem e compartilhem sua música de qualquer lugar do mundo.

Além disso, o Funkwhale oferece recursos avançados para melhorar a experiência de audição, como playlists dinâmicas, rádio online e recomendações de música baseadas em hábitos de escuta. Os usuários também podem criar suas próprias comunidades de interesse em torno da música e do áudio, permitindo que eles se conectem com outros usuários que compartilham seus gostos musicais.

Para usar o Funkwhale, os usuários precisam criar uma conta em um dos muitos pods/servidores Funkwhale disponíveis. Daí é possível fazer upload de suas músicas para o servidor e acessá-las a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet. O Funkwhale também oferece uma ampla variedade de aplicativos de terceiros para dispositivos móveis, permitindo que os usuários acessem sua música em qualquer lugar.

Em resumo, o Funkwhale é um aplicativo de streaming de áudio descentralizado e de código aberto que oferece uma alternativa autônoma e democrática aos serviços de streaming proprietários. Com sua capacidade de compartilhar música em rede, o Funkwhale permite que os usuários acessem e compartilhem sua música de forma livre e independente, sem depender de empresas comerciais.

Aqui está um passo a passo sobre como instalar o aplicativo F-Droid e usar ele para instalar um cliente Funkwhale no seu smartphone Android:

Passo 1: Instalar o F-Droid

  • Abra o navegador do seu smartphone e acesse o site oficial do F-Droid
  • Clique no botão “Baixar o F-Droid”.
  • Depois de baixado, abra o arquivo APK e autorize a sua instalação como uma aplicação desconhecida

Passo 2: Procurar pelo Cliente Funkwhale

  • No catálogo de aplicativos do F-Droid, use a funcionalidade de pesquisa do F-Droid para procurar pelo cliente Funkwhale.
  • Digite “Funkwhale” na caixa de busca e selecione o resultado correspondente.
  • Clique em “Instalar” para iniciar a instalação do cliente Funkwhale.

Passo 3: Instalar o Cliente Funkwhale

  • Depois de clicar em “Install”, o F-Droid irá baixar e instalar o cliente Funkwhale em seu dispositivo.
  • Depois da instalação, você pode encontrar o cliente Funkwhale em seu menu de aplicativos.

Agora que você baixou e instalou o Funkwhale em seus dispositivo, vai precisar de criar uma conta vinculada a um pod/servidor. Vamos ao passo a passo para isso:

Passo 1: Abrir o Funkwhale

Após instalar, abra o Funkwhale e clique em “Create an account” para criar uma nova conta.

Passo 2: Criar uma conta

Insira um nome de usuário, senha, email e confirme a senha.
Clique em “Sign up” para criar sua conta.

Passo 3: Entrar na plataforma

Depois de criar sua conta, entre na plataforma do Funkwhale.

Passo 4: Escolher um pod

No dashboard do Funkwhale, você verá uma lista de pods disponíveis.
Clique em um pod que você gostaria de se juntar

Com esses passos, você deve ter conseguido criar uma conta no Funkwhale e escolher um pod para ouvir e compartilhar música com a galera. Todos esses passos também podem ser feitos pelo seu computador, porém sem a necessidade de instalar algum aplicativo específico, acessando o Funkwhale direto do seu navegador. Dê uma olhada em: https://www.funkwhale.audio/

Se surgiu alguma dúvida durante o processo, nos chame nos canais do nosso coletivo, estaremos lá para te ajudar! Aproveite!

Como funciona o estúdio virtual da Rádio Comunitária Aconchego

Por Saci Pererê (Rádio Aconchego)

Há algum tempo queria ter escrito este texto, mas acordei estes dias e me deparei com o pedido de doações de um software muito importante para nossa Rádio: o AzuraCast. Esse pedido de ajuda me colocou na responsabilidade de compartilhar um pouco deste e de outros projetos que são essenciais para estarmos no ar. Mas antes, um pouco de contexto sobre como nos organizamos hoje.

Pandemia e fechamento do estúdio

Com a pandemia da COVID-19 não foi mais possível usar o estúdio como ponto de apoio, encontros e produção de novos programas. Então, deixamos uma máquina ligada lá no estúdio rodando nossa programação. Neste ponto, a Rádio funcionava como se fosse um estúdio ao vivo, só que não tinha ninguém lá, a gente tinha que acessar o computador da Rádio e fazer uns truques para sairmos ao vivo. Esse processo era bem chatinho e acabamos evoluindo para o cenário atual.

Um estúdio virtual para a Rádio

É importante explicar que existem basicamente dois tipos de computadores: os domésticos (ou de escritório) e os servidores. A diferença entre eles é que os primeiros são construídos para serem usados em tarefas que, de grosso modo, tem início, meio e fim. Quando encerramos nossas atividades o desligamos, e vida que segue! Já os servidores eles são usados de forma ininterrupta, para isso eles são construídos e acomodados de uma forma bem distinta dos computadores domésticos. Em termos gerais eles são mais robustos e precisam de uma refrigeração e acesso à internet constantes. Os locais que acomodam estes servidores são chamados de Datacenters (Centros de Dados).

E o que isso tem a ver com o nosso estúdio?

Tem a ver que nosso PC doméstico estava fazendo atividades de um servidor, sendo que ele não foi preparado para isso. Nem a nossa sala estava adequada para essa atribuição de acomodar um servidor. Neste momento tomamos a decisão de migrar nosso estúdio físico para um estúdio virtual. Este estúdio virtual está localizado em um servidor na cidade de Campinas, na Casa de Cultura Tainã. Mas esse não é um servidor qualquer!

Datacenter Livre e Comunitário

Se você procurar na internet fotos de Datacenters irá topar com prédios enormes, com centenas de corredores repletos de máquinas, fios e leds dando um ar futurista. Por trás dessa imagem está uma constatação quase óbvia, não é algo viável para um movimento social ou coletivo manter um Datacenter. Porém diversos grupos ao redor do planeta desafiam esta lógica criando os chamados Datacenters Comunitários, onde são usados uma mistura de técnicas populares e profissionais de manutenção de máquinas. Nesses espaços há também o reaproveitamento de maquinário, dando sobrevida a peças que estariam perto do fim de sua vida útil. Não significa que estejamos falando apenas de gambiarra e um ambiente underground, mas de uma apropriação da tecnologia para usos comunitários. Algumas vezes com equipamentos mais modernos, outras com gambiarras e equipamentos improvisados, o importante é cultivarmos nossos bits nas nossas casas e coletivos.

Casa de Cultura Tainã

Um destes Datacenters está localizado na Casa de Cultura Tainã. Nele rodamos uma série de softwares, desde de que sejam produzidos também de formas comunitárias (licenças livres ou abertas). Alguns destes softwares são: Jitsi, para video conferência; Nextcloud, para nuvem de armazenamento de arquivos; e – o nosso tema inicial- AzuraCast, para criação de estúdios virtuais e streaming de rádio web.

AzuraCast

Tocador do AzuraCast

Começamos a usar o AzuraCast com o objetivo de remontar nossa grade de programação, então tínhamos duas missões iniciais: subir nossa biblioteca de músicas e organizar cada seleção em seus horários específicos. Na sequência chegou a vez de programar as vinhetas para tocarem aproximadamente 1 a cada 5 músicas, sendo que algumas listas musicais têm também vinhetas de abertura. Por fim, fomos aprender a programar programas pré produzidos para tocarem nos seus horários determinados. Neste ponto, completamos a programação de tudo que precisávamos “a frio”, ou seja, sem contar com programas ou entradas ao vivo. Apesar do AzuraCast conseguir realizar as entradas ao vivo, até hoje não conseguimos voltar a ter programas “a quente”.

Biblioteca de músicas
Grade de programação

Porém, o AzuraCast não funciona sozinho, por baixo dos panos ele usa outros programas específicos para algumas funcionalidades. Nossa ideia aqui é dar visibilidade a esses nomes que ficam escondidos dentro dos computadores, então vamos rapidamente a eles.

LiquidSoap

Antes de partirmos para o próximo tópico é importante dizer que o AzuraCast, para fazer grande parte da operação e programação da Rádio, utiliza por baixo dos panos o LiquidSoap. O LiquidSoap é uma linguagem de programação desenhada especificamente para a construção de fluxos de áudio, que é a base para as web rádios.

Icecast

Além do armazenamento no estúdio virtual (programas, vinhetas ou músicas) e da programação (organização dos horários para a execução de cada áudio), existe também a função de streaming, ou seja a transmissão do áudio final para nossa audiência. Da mesma forma que o AzuraCast usa o LiquidSoap para agendar os áudios, ele usa o Icecast para a transmissão. Então, uma vez que temos nossos áudios armazenados e programados, eles são executados e enviados para nossa audiência via Icecast.

Conclusão

De forma resumida, uma rádio web pode ser produzida de duas formas: (1) com um estúdio real, onde gravamos os programas e transmitimos o fluxo de áudio ao vivo para um servidor (Icecast), que irá apenas redistribuir para os ouvintes; ou, como apresentamos aqui, (2) via um estúdio virtual onde o servidor armazena e programa toda a grade da Rádio, sendo possível no entanto que a equipe entre ao vivo a qualquer momento.

Na Rádio Aconchego estamos há mais de 2 anos operando no formato de estúdio virtual, utilizando a infraestrutura do Datacenter Livre e Comunitário localizado na Casa de Cultura Tainã. E utilizando o software AzuraCast para gerenciar nossa biblioteca musical e nossa grade de programação. Recentemente, como dissemos no início da postagem, o pessoal do AzuraCast esteve pedindo doações para conseguir sustentar o projeto. Nós ressaltamos para quem puder realizar a doação para o AzuraCast, esta doação é também para a Rádio Aconchego e milhares de outras web rádios ao redor do planeta. Apesar de nos servir muito bem, ainda há vários pontos de melhorias que gostaríamos de ver no AzuraCast, mas para isso precisamos que o projeto esteja saudável economicamente.

Para doações acesse: https://www.azuracast.com/docs/contribute/donate/

Agradecimentos pela colaboração e revisão: Cráudio e à comunidade Áudio e Software Livre

1ª Conferência temática da cultura digital

Links sobre o evento:

Segue na íntegra a fala de Felipe Siles, representando o coletivo Áudio e Software Livre:

Boa noite,

Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui e agradecer a escuta. Me chamo Felipe Siles, sou pesquisador musical, moro em Cosmópolis, interior de São Paulo, cidade próxima de Campinas, onde fica a sede da nossa anfitriã de hoje, a Tainã, e estou aqui representando o coletivo Áudio e Software Livre. Minha audiodescrição: eu sou homem, tenho cabelos pretos cacheados, cavanhaque, pele clara e estou usando óculos, headphones e camiseta branca. O Áudio e Software Livre é uma rede de músicos, artistas, educadores, hackers, radialistas e produtores, que pensam e produzem ações educativas e de divulgação do software livre para a produção independente de áudio, que está em crescimento. A pergunta que norteia as nossas atividades é: “dá para produzir áudio utilizando apenas software livre?”. Ao mesmo tempo estamos sempre em debate em como compartilhar e democratizar esse conhecimento, já que compreendemos que a música é manifestação popular, e o nosso horizonte é o de viabilizar ferramentas para que as pessoas possam produzir com autonomia.

Recentemente escrevi um texto em nosso blog denominado O streaming e a sinuca de bico para o artista independente, no qual fiz uma breve contextualização da revolução na distribuição musical a partir do século XXI com o advento do mp3 e plataformas como o Napster. A partir daí faço algumas reflexões sobre o impacto da pirataria na indústria musical, e em como essa indústria se recupera da armadilha da pirataria moldando a nossa imaginação para um novo modelo de negócios, o streaming, que atualmente monopoliza a distribuição da música, por meio de plataformas comerciais, como o Spotify e a Apple Music. Além disso, faço no texto algumas reflexões do quanto essa forma de comercializar música impacta artistas grandes, o público e principalmente o artista independente que, ao meu ver, é o maior prejudicado com esse modelo de negócios.

Conforme escrevi no texto em questão, o artista independente tem saudades das caixas de CDs que entulhavam a sua casa, e pelo menos rendiam algum retorno financeiro sobre sua produção. Os míseros centavos monetizados na plataforma de streaming não resolvem sua vida financeira, e ele também não tem condições de fazer dessa produção uma espécie de soft power, como fazem os artistas mainstream. Neste cenário, restou ao artista independente buscar o seu sustento de outras formas, relacionadas ou não à música, e financiar sua produção com recursos próprios ou por leis de incentivo.

Sobre as leis de incentivo, cabe um parênteses. Embora os editais e leis de incentivo têm sido nas últimas décadas importantes para a manutenção de uma política pública cultural que escape à lógica mercadológica, precisamos pensar para além dele, já que ele acaba privilegiando uma fatia muito específica da população que reune arcabouço cultural e intelectual capaz de lhe dar as condições de escrita de um projeto. Precisamos pensar em estratégias e formas que fomentem a cultura de forma capilarizada e livre, e acredito que estamos caminhando nessa direção.

Ainda sobre editais e leis de incentivo, mais uma consideração, houve manifestação de uma pessoa do nosso coletivo que reclamou de já ter tido um projeto com avaliação negativa justamente por citar a própria infraestrutura ao invés das redes sociais corporativas como estratégia de difusão. Se estamos construindo uma política pública cultural precisamos nos livrar desse sequestro de imaginação que as grandes corporações da chamada “Big Tech” nos colocaram.

Aproveito que tocamos nesse assunto, não em nome do grupo, mas eu, Felipe Siles, gostaria de questionar a própria comunicação institucional do governo, que se dá em grande medida por ferramentas dessas plataformas corporativas. Pensamos que é preciso pensar e olhar de maneira crítica para esse processo, muitas universidades possuem infraestrutura ociosa ou depreciada por novos componentes, mas ainda assim úteis na construção de uma alternativa ao que está posto. O que se vê inclusive no cenário atual, pelo contrário, é a adesão em massa de universidades aos serviços da Google, entregando de bandeja para a megacorporação a nosssa produção de conhecimento científico em troca de pequenos confortos e praticidades. Continuamos metaforicamente trocando pau brasil por espelhinhos, só que agora com o novo colonizador.

Dito isso, os órgãos públicos precisam ter alternativas de comunicação que não passem necessariamente pelos muros de um login em uma plataforma fechada ou pela curadoria de um algoritmo sem transparência, que sabe-se lá se vai entregar o conteúdo aos brasileiros com o nível de prioridade necessário (provavelmente não). É preciso investir em alternativas livres, como os protocolos RSS e Activity Pub, por exemplo. Não adianta se esquivar no argumento de que as redes corporativas são populares, as lanchonetes fast food também são populares e isso não impede o governo de ter o Guia alimentar para a população brasileira.

Ainda no campo da infraestrutura, no âmbito do desenvolvimento é necessário fomentar mão de obra para trabalhar nessas plataformas comunitárias e decentralizadas. É imprescindível fornecer bolsas para desenvolvimento de software código aberto usado pelas plataformas públicas e bolsas para administração de infraestrutura comunitária.

Por fim, tivemos recentemente uma matéria de Augusto Diniz na Carta Capital entrevistando o pesquisador Leonardo De Marchi sobre a necessidade de criar uma plataforma pública de streaming de música. Nós do coletivo Áudio e Software Livre apoiamos essa proposta. Acreditamos que seria muito importante que uma plataforma de áudio onde o público fosse incentivado a contribuir financeiramente com seus artistas preferidos (numa espécie de “chapéu virtual” que estivesse disponível com facilidade no mesmo aplicativo onde se ouvem as músicas) fomentando assim a ideia de que música não é simplesmente consumo, mas também o fruto do trabalho de trabalhadores e trabalhadoras. Apoiamos também que essa plataforma seja construída toda em software livre, sugerimos também que seja federada pelo ActivityPub e recomendamos o Funkwhale como uma possibilidade técnica para a construção dessa plataforma.

Antes de finalizar, gostaria de responder à provocação do nosso colega Dudu, a quem sou um profundo admirador de seu trabalho há muitos anos, citando uma coisa que aprendi com um companheiro do meu coletivo, que usa o pseudônimo de Saci. A Casa Cultural Tainã, que está nos recebendo hoje em seu espaço digital nasceu de um coletivo em bairro periférico de Campinas, formado por empregadas domésticas, e é um polo nacional no que diz respeito a tecnologias livres e de código aberto. Se o debate em torno do software livre e código aberto se elitizou não é por culpa minha ou sua, estamos aqui, eu e você, pessoas periféricas para disputar essa memória, reclamar a nossa história e pegar de volta aquilo que é nosso por direito, porque as periferias merecem aquilo que há de melhor, e essa é a minha luta.

Mais uma vez agradeço a escuta e digo que a comunidade Áudio e Software Livre está a disposição para ajudar, e não mediremos esforços para contribuir com aquilo que estiver ao nosso alcance na construção da soberania digital do povo brasileiro. Obrigado!

O streaming e a sinuca de bico para o artista independente

Por Felipe Siles

Segundo o dicionário informal:

Situação onde a pessoa se encontra sem uma saída. É uma analogia ao jogo de sinuca quando o jogador tem a bola da vez protegida atrás de outras bolas de forma que fica impedido de acertá-la. Ainda por cima, o jogo está numa condição onde a bola errada pode facilmente ser encaçapada.

Estou numa sinuca de bico. Estou descontente com a minha mulher, mas também não tenho nada melhor em vista.

Quem viveu intensamente a internet dos anos 2000 acompanhou o processo de revolução na distribuição musical, o mp3, um formato compacto de áudio que facilitava a circulação de arquivos em uma internet ainda muito precária em termos de velocidade. Logo foram surgindo diversos programas para baixar o mp3: Napstar, Kazaa, Emule, Soulseek (meu preferido), Grooveshark, entre muitos outros. Além disso proliferaram blogues onde era possível baixar álbuns e discografias, alguns deles com uma curadoria incrível, como o Um que tenha, que era popular no Brasil, além de comunidades de compartilhamento no Orkut.

Essa facilidade no acesso a música praticamente do mundo inteiro forçou uma lenta, porém radical mudança na lógica da indústria musical. De cara, veio a discussão ética em torno do tema da pirataria, que inclusive rendeu um divertido episódio de South Park onde o FBI invadia a casa das pessoas que baixavam músicas de graça na internet (infelizmente não me lembro que episódio foi esse, se souber, entre em contato conosco). Esse episódio retrata um pouco do zeitgeist (espírito do tempo) desse período, e mostra como essa discussão estava presente no cotidiano. Não vou entrar aqui no mérito dessa discussão ética, mas já adianto que a música Copiar não é roubar sintetiza muito do que eu penso a respeito do tema.

Mas voltando à adaptação da indústria musical a esse novo cenário de distribuição, depois de uma longa crise de gravadoras, o capital tomou novamente as rédeas através do modelo de streaming, que se provou bem sucedido em plataformas como a Netflix. Criou-se então a Netflix da música, o monopólio do Spotify, onde a lógica e até o ambiente não é tão diferente assim de programas como o Napster. Você tem uma barra de busca, pode procurar e baixar músicas do seu artista preferido, sem a culpa de supostamente prejudicá-lo com a pirataria. Tudo isso por uma módica mensalidade que não vai ocupar muito espaço na sua fatura do cartão de crédito, e até capaz que você esqueça aquela mensalidade ali no débito automático, mesmo nos meses que não utilizar o serviço.

Tudo ótimo para a indústria da música, que se reorganizou num cenário adverso de pirataria e distribuição livre de música. A construção desse monopólio do Spotify foi sendo acompanhada da patrulha anti-pirataria na internet, vai sendo cada vez mais difícil para o usuário comum encontrar mp3 para baixar apenas fazendo pesquisas no seu buscador preferido. E o cerco foi fazendo com que esses downloads possam cair em domínios não muito seguros, que podem instalar vírus no seu computador, pegar dados seus, minerar bitcoins ou até coisa pior. Fora que o usuário comum foi sendo afastado do ambiente do computador e a inclusão digital de uma quantidade homérica de usuários foi feita pelo celular, pelo sistema operacional Android, onde impera a lógica de aplicativos e existe pouca navegação pela internet via navegadores.

Para o consumidor a solução acabou sendo bem OK. O usuário médio não possui mais aquela gama praticamente infinita de mp3 gratuitas para baixar, mas o catálogo do Spotify é bastante parrudo e ele vai encontrar praticamente tudo aquilo que ele gosta, já que seu gosto é mediado pela publicidade e redes sociais, que certamente não vão moldar esse gosto para terras que não estejam no Spotify. O preço módico vai quebrando aquela ideia comum nos anos 2000 de que as pessoas não estavam dispostas a pagar por serviços online. Hoje em dia elas não só pagam, como colecionam várias dessas mensalidades, às vezes até sem perceber, muitas vezes esquecem que assinam alguns serviços. E as camadas mais populares acabam consumindo o serviço com as propagandas mesmo, a publicidade, que acaba fazendo parte de sua paisagem sonora de tal forma que elas nem a notam mais no campo consciente.

Para o artista mainstream acabou sendo bom também, o custo de produção foi diminuindo já que a base estética da música pop contemporânea vem do hip hop com sua cultura de sample. Não vou entrar no juízo de valor a respeito disso, mas é fato de que essa lógica é bem conveniente para a indústria, já que o grupo musical (e o cachê dos músicos) acabou se concentrando na figura do produtor musical, que vai manipular samples para construir as bases das músicas de novos artistas. Dessa forma se consolida na indústria musical o processo da substituição do trabalhador de fábrica (o músico instrumentista) pelo self made man (o produtor), o profissional alinhado com o neo liberalismo contemporâneo. O álbum ou single no Spotify, nesse contexto, tem o mesmo objetivo do perfil no Instagram, publicidade para seus shows e turnês milionárias pelo mundo, que é onde tais artistas do mainstream realmente vão ganhar dinheiro. Além disso a construção dessa produção no Spotify e Instagram vão moldando uma espécie de soft power do artista mainstream, e formando um imaginário cultural da época, um zeitgeist que vai direcionar a subjetividade das pessoas, inclusive de pessoas poderosas.

Para o artista independente, esse cenário é uma verdadeira tragédia. A chance dele chegar no mainstream é muito parecida com a possibilidade do vendedor de amendoim do trem virar o Elon Musk. Mas a promessa de que se o artista independente alimentar o Spotify, as redes sociais, o tal do sucesso virá, e ele poderá viver daquilo que ama, de sua obra musical. Essa promessa nunca é cumprida, e o artista se torna um escravo do Spotify e Instagram, trabalhando de graça para essas plataformas, ou até pagando pra trabalhar, já que produzir para elas implica em custos, nem que o custo seja ter um bom celular. Sem sombra de dúvidas, o artista independente é o maior prejudicado no novo cenário da indústria musical pós-pirataria. Tenho a impressão de que ele serviu como laboratório para todo o cenário de precarização que depois se consolidou com plataformas como a Uber e o iFood, que atingiu massivamente a classe trabalhadora no Brasil e no mundo. Além disso, o consumo se direcionou para a extinção do CD, que ainda rendia algum lucro modesto para o artista, vendendo a mídia no show e para amigos e familiares.

Pelo que tenho observado, resta ao artista independente duas soluções, que podem (e costumam) inclusive se somar:

  • Procurar o seu sustento em outras atividades vinculadas ou não à música (dar aulas, compor jingles de publicidade, tocar em grupos de música mais comercial, bolsa de pesquisa, etc) para financiar a própria obra;
  • Financiar a sua produção artística por leis de incentivo.

A primeira solução não contempla a produção da obra como profissão e num cenário de trabalho intermitente (onde o trabalho invade nosso espaço privado chegando embalado pelo Whatsapp no mesmo ambiente que as mensagens que a sua tia te manda), fica difícil e sacrificante para o artista independente manter a sua produção. Muitos inclusive, nesse processo, sacrificam o próprio lazer e descanso, o que é péssimo em termos de qualidade de vida e saúde mental.

A segunda solução me parece muito boa, mas sempre vai depender dos humores da política institucional, além do posicionamento ideológico de quem ocupa seus cargos. Os editais e leis de incentivo viveram um período de vacas magras desde o Golpe em 2016, a partir do governo Michel Temer, que acabou com o Ministério da Cultura e que apenas agora parece estar renascendo no Governo Lula, em 2024. Resta saber até quando… Além disso, o formato de edital não contempla a ideia do artista enquanto profissão, não existe algo que ajude a fomentar uma produção mais sólida de longo prazo. Fora que o formato do edital cria uma concorrência que pode ser bem ruim para os músicos enquanto categoria, gerando inclusive ressentimentos entre pessoas não contempladas. A solução do edital é o famoso “melhor isso do que nada”, mas está longe de ser o ideal. É uma solução restrita a um perfil específico de artista, normalmente com boa formação intelectual e de classe média, com capacidade para formular projetos, ou recursos financeiros suficientes para tercerizar a tarefa.

A motivação para escrever esse texto foi justamente uma discussão dentro do nosso coletivo de Audio e Software Livre sobre alternativas ao Spotify para artistas independentes dentro do nosso escopo que é o software livre e de código aberto. Surgiram algumas ideias muito boas inclusive, como por exemplo o desenvolvimento de uma plataforma pública, que distibuísse a música de artistas contemplados em editais. Falou-se em plataformas federadas, como o Funkwhale. Falou-se também no Jamendo, que é uma plataforma que ajuda o artista a distribuir e licenciar a própria obra. Surgiram ótimas ideias e sugestões. Eu, pessoalmente, ainda sinto a falta de uma plataforma que integre o player e o crowfunding e que ajude a criar a cultura do fã contribuir financeiramente com o artista independente, mais ou menos nos moldes do Bandcamp (antes de ser canibalizado por essa indústria musical) ou a plataforma de podcasts Orelo.

Mas infelizmente nenhuma dessas soluções resolve a vida do artista independente em seus problemas cruciais. A solução para isso, ao meu ver, é superar o capitalismo. Enquanto isso não acontece, continuamos na sinuca de bico e o músico independente produzindo do jeito que dá e com saudades das caixas de CDs que entulhavam a sua casa.

1º encontro síncrono do grupo Áudio e Software Livre

Fala, galera! É com muita alegria que gostaríamos de convidá-lEs para o nosso encontro!

Data: 28/01/23
Horário: 9h às 12h
Sala: https://meet.jit.si/audioesoftwarelivre
Transmissão: https://youtu.be/6dqekLIWjyM

Programação:

9h Abertura

9h15 – 11h30 > Apresentações e discussões

9h15 – 9h35 > Saci Pererê
[Título] Soberania Digital – As aventuras da Rádio Comunitária Aconchego
[Modalidade] Relato de Experiência

9h35 – 9h55 > Felipe Siles & Cráudio
[Título] Um futuro recomeçar – software livre, licenciamento ambiental, educação patrimonial e processo criativo artístico/musical.
[Modalidade] Apresentação de trabalho + relato de experiência

9h55 – 10h15 > Felipe Siles
[Título] Songbook Esmeraldino Salles: compartilhando a experiência de redigir texto e partituras de um songbook usando software livre
[Modalidade] Relato de Experiência

10h15 – 10h30 > Intervalo

10h30 – 10h50 > Aluizio Neto
[Título] Ensino remoto na rede federal com software livre
[Modalidade] Relato de Experiência

10h50 – 11h20 > Indizível (Bruno Rohde)
[Título] DUMTS – Sintetizador de percussão para Pure Data – Oficina sobre desenvolvimento e performance com Pure Data, demonstrando principalmente o sintetizador de percussão DUMTS
[Modalidade] – Relato de experiência + oficina

11h20 – 12h00 > Encaminhamentos do grupo e encerramento

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